Juliano chegou desesperado à igreja naquele dia. Precisava muito conversar com o pastor e saber o que fazer depois da terrível briga que tinha acabado de ter com sua mãe, que não aceitava, de forma alguma, sua conversão ao Evangelho, o que ela chamava de mudança de religião e lavagem cerebral.
As lembranças da discussão não paravam de encher a mente de Juliano enquanto ele esperava a secretária da igreja, que por vê-lo transtornado, tentava localizar o pastor pelo celular. Contudo, aquelas frases eram as que mais se repetiam em sua mente, mesmo porque até ele não conseguia compreender. No auge da briga, chorando e gritando, a mãe tinha dito: Deus não é amor? Como é que um Deus que é amor vai provocar toda essa briga aqui em casa? Como um Deus que é amor vai colocar você contra sua família, contra sua mãe, dizendo que eu sou endemoniada? Me explica isso Juliano, porque eu sempre aprendi que onde há amor, Deus está ali. Mas como ele pode estar nisso que você está fazendo, desprezando nossas crenças e virando as costas a tudo que te ensinamos desde que você era criança? Foi nesse ponto da briga que ele ficou sem resposta, embora soubesse, em seu coração, que estava fazendo a coisa certa ao se render ao Evangelho e ao deixar de participar das práticas religiosas da família, que eram contrárias aos ensinos de Jesus, ainda que usassem o nome dEle.
– Desculpa irmão Juliano – Disse a secretária, com os olhos cheios de compaixão, pois estava vendo o estado em que estava o rapaz e sabia ele que não tinha nem um mês de conversão ao Evangelho – Não consigo falar com o celular do pastor, ele deve estar em alguma reunião ou compromisso importante, mas deixei um recado pedindo para ele te ligar assim que puder.
– Obrigado irmã – Disse ele com o olhar meio perdido. – Posso falar com ele amanhã, depois do culto da noite (tudo isso aconteceu em um sábado, quando não havia culto ou reunião na igreja). Obrigado por tentar me ajudar.
– De nada querido, Deus abençoe você.
Quando já estava quase na porta de saída da igreja, Juliano resolveu orar um pouco e pedir a Deus para achar logo o pastor, pois não podia voltar para casa sem saber o que dizer a mãe e, principalmente, sem entender a dúvida que tinha sido colocada em seu coração, que era: Como é que Deus é amor? Como funciona isso?
Tendo acabado de orar em silêncio, levantou-se (pois tinha se ajoelhado no último banco da fileira da direita da igreja) e quando estava prestes a sair, ouviu uma voz fraca e bem baixa, que parecia vir do outro corredor de bancos e dizia: – Paz do Senhor, irmão.
Quando olhou para ver quem falava com ele, reconheceu um senhor que certamente tinha quase ou até mais de noventa anos de idade e que não faltava a nenhum culto, mas estava sempre quietinho, naquele mesmo lugar onde estava agora. Então Juliano respondeu a saudação do velho irmão e aceitou o convite para aproximar-se e sentar-se ao seu lado.
Descobriu que o nome dele era Abelardo, que tinha 89 anos, que tinha ajudado, com as próprias mãos, a construir o templo em que estavam, sendo, portanto, um dos fundadores da igreja. Por um bom tempo, Juliano até esqueceu de seu problema e ficou encantado ouvindo as inúmeras histórias que o velho cristão tinha para contar. Quanto, de repente, Abelardo olhou em seu olhos, segurou sua jovem mão direita de dezessete anos, com a enrugada e levemente trêmula mão de quase 90 anos e disse:
– Se você quiser ajuda, meu filho, pode falar comigo. Não sou pastor, sou apenas um velho seguidor de Jesus, que já viu muita coisa nessa vida e que vai fazer de tudo para ajudar, no que puder.
Isso foi a deixa para que Juliano começasse a chorar e ainda ali, tendo sua mão agora entre as duas mãos frágeis, mas estranhamente quentes e firmes do idoso, contasse tudo o que tinha acontecido em sua casa, bem como sobre o motivo que o trazia a igreja e a decepção por não ter encontrado o pastor para ajudá-lo tanto com o que responder a mãe quanto com a dúvida que ficou em seu coração sobre Deus ser amor e ainda assim, muitas vezes, pedir que tomemos atitudes que geram discórdia e até ódio por parte das pessoas que amamos.
Então Abelardo, olhando em seus olhos disse:
– Meu filho, você precisa aprender que Deus é amor. Mas o amor não é um deus, pois qualquer amor que se tornar um deus, vira um demônio. Porque não há outro Deus, senão o único Deus, criador dos céus e da terra. Ele é amor, mas se o amor tentar ser um deus, vira um demônio. Um amor demônio.
– Como assim? Não consigo entender isso. – Disse Juliano, bem confuso.
– Olha só meu filho – Disse Abelardo soltando sua mão e se esforçando para ficar um pouco mais de frente para ele. – Todo amor que é bom, porque manifesta, de alguma forma, o amor de Deus, pode tentar assumir o lugar de um deus. Amores egoístas como de alguém que é doente de ciúmes são claramente contrários ao amor de Deus, no entanto, o amor de uma mãe pelo seu filho, é genuíno e uma verdadeira manifestação de Deus na terra, ou seja, Jesus pode ser visto no amor de uma mãe por um filho. Mas é nesse tipo de amor, o genuíno e bom, que mora o perigo, pois ele, de tão louvável, algumas vezes, pode reivindicar para si mesmo uma autoridade e devoção que só devemos dar a Deus, nosso Senhor.
– Então nem todo amor natural e bom é de Deus? É isso irmão? – Perguntou Juliano
– Não irmão. – Respondeu Abelardo – O que você precisa entender é que há uma diferença entre atitudes de amor. Elas podem manifestar Cristo, como todas as vezes que sua mãe ficou noites em claro acordada, cuidando de você, quando era tão pequeno e frágil que não podia nem comer ou dormir sozinho, por exemplo. Mas elas também podem, quando vindas de um amor tão nobre e bonito, começar a reivindicar o lugar de Deus. E é aí que ele se torna um demônio, pois Deus é amor, mas nenhum amor é um deus. Porque não há outros deuses!
E ele continuou: – Cada vez que alguém ama, conforme a imagem e semelhança que recebemos de Deus, Jesus, que é o Amor, é manifestado. Mas quando as atitudes de amor tentam tomar o lugar dele, se deixarmos, é idolatria e esse amor se torna um demônio. Então volte para casa e ame sua mãe, compreenda o que ela sente, se lembre de que as coisas espirituais só podem ser entendidas espiritualmente e tenha mais paciência com ela. Eu já fui como você, jovem, impetuoso e queria converter até as paredes da minha casa. Só que com o tempo você aprende que pode vencer esse amor demônio, que sua mãe, sem ter consciência, está tentando usar para te afastar de Jesus. Você pode vencê-lo com atitudes de amor verdadeiro, que manifestam a Jesus. E a luz, meu filho, sempre vence as trevas.
No mesmo instante Juliano compreendeu que muito do que fazia não estava manifestando amor e que, em certo ponto, ele também era culpado por toda aquela confusão, principalmente quando tentava, como quase todo novo convertido, converter sua família pela força, em vez de deixar que o Espírito de Deus trabalhasse. Então olhou nos olhos de Abelardo e agradeceu dizendo que, apesar de ele ter pedido em oração a conversa com o pastor, tinha recebido toda a ajuda que precisava através dele.
– Não tem porque me agradecer meu irmão. – Disse Abelardo. – Apenas vá para casa, abrace sua mãe e agradeça pelas noites em claro que ela passou cuidando de você, por tudo que ela deixou de fazer na vida, abrindo mão dos sonhos que tinha, para cuidar de você. Com isso você vai levar a luz e as trevas não vão resistir. Depois disso, é provável que ela mesma queira ouvir um pouco dos motivos que você teve para mudar de religião, então pregue o Evangelho, deixando Deus dar o crescimento na semente como Ele quiser e no tempo que Ele quiser. Não seja chato e arrogante. Seja amável e seja luz.
Juliano saiu da igreja feliz, determinado a seguir o conselho que recebeu e sem mais nenhuma das dúvidas que tinha. Abelardo ficou sorrindo, olhando para o alto e meditando em como contar ao filho, o pastor que Juliano procurava, que tinha ido trazer os netos para passar o dia com velho avô, sobre a situação do rapaz e sobre como ele precisaria de acompanhamento pastoral.
Dois anos depois…
Juliano estava radiante no culto daquele domingo, ao lado da noiva, pois era o dia do batismo de sua mãe. Abelardo não estava lá, pois seis meses depois daquela conversa Deus o tinha levado para si, contudo, Juliano nunca deixou de ter certeza sobre quem era uma das primeiras pessoas que queria encontrar e abraçar quando chegasse na eternidade…
“O amor deixa de ser um demônio somente quando cessa de ser um deus” (M. Denis de Rougemount)
“O amor começa a ser um demônio no momento em que começa a ser um deus” (C. S. Lewis)
Pr. Raphael Melo
P.S.1: Por favor, se você gostou dessa história, comente abaixo, compartilhe-a agora mesmo no Facebook e seja instrumento de Deus para que mais pessoas sejam tocadas por essa mensagem. Muito obrigado! 🙂
P.S.2: Esse é um trabalho de ficção inspirado em um trecho do livro “Os Quatro Amores” de C. S. Lewis.
4 Comentários. Deixe novo
Muito lindo testemonho ,isso é bom exemplo para observarmos como Deus quer nos usar e muitas vezes dizemos to com pressa agora não da .O mundo precisa de jESUS. Deus abençoe pastor.
[…] é um dos temas abordados no artigo de ficção “Amor Demônio” do Pr. Raphael Melo. A história aborda um rapaz que chega na igreja desesperado, atrás de […]
ENSINAMENTO GRANDIOSO. QUE DESPERTAMENTO PARA MINHA VIDA. NÃO PENSAVA DESSA FORMA NÃO CONSEGUIA RACIOCINAR DESSA FORMA. OBRIGADO MUITO LINDO.
Lindo testemunho. Como tem muitas pessoas precisariam ler este artigo, Pois ainda há muitos acontecimentos iguais acontecendo.