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Aniquilação – A Última Hora (1º da Trilogia) | Prólogo + Capítulo 1

Aniquilação – A Última Hora (1º volume da Trilogia)

AVISO IMPORTANTE

A história que você vai conhecer se passa em uma região real do Estado do Rio de Janeiro, próxima da fronteira com o Estado de Minas Gerais. Contudo, ainda que a região e muitos dos acontecimentos reflitam a realidade, para que houvesse mais liberdade literária e, consequentemente, melhor condição para que eu contasse a história, a cidade de São Thomé dos Rios é fictícia.

O que você vai ler pode soar estranho e até perturbador. Entretanto, essa é uma daquelas histórias que não podem deixar de ser contadas e conhecidas.

Boa leitura!

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PRÓLOGO

Não chegava a estar frio, principalmente levando-se em conta o clima da região. A noite começou bem diferente das que costumeiramente se viram nos últimos dois meses. O verão havia sido bem quente e de muito pouca chuva (que quando ocorreram, não passaram das típicas pancadas de verão). Mas hoje a situação era diferente. O vento, no quintal, soprava constante e ligeiramente forte. O barulho das árvores e de folhas voando pelo chão se misturava com o agradável som de crianças brincando, ou melhor, fazendo uma boa bagunça, na cozinha.

Beatriz, que tinha acabado de estacionar o carro e fechar o grande portão de madeira da garagem, depois de buscar a filha Priscila, de dez anos, na escola, prendeu os longos cabelos castanho escuros em um coque e resolveu entrar na brincadeira. A experiência com as farras barulhentas de Priscila e seu irmãozinho Daniel, de dois anos, já a tinham convencido de que aquela era a hora de entrar no pique deles. Se não pode vencê-los, junte-se a eles. Ela pensou, enquanto tirava as sandálias e colocava os óculos, que usava para dirigir, a salvo, sobre a bancada da cozinha.

Bia (como sempre foi chamada, desde que se entendera por gente) tem trinta e três anos, pele morena clara, olhos negros e considera-se em boa forma para quem tem dois filhos, principalmente por não ser muito alta e ainda assim conseguir manter um peso nada acima do normal para sua estatura. Ao tomar a decisão de não interromper a bagunça, mostrando seu jeito moleca (que não era mais tão comum como antes, desde que se tornara adulta e mãe), ela aproveitou bem aquele momento com os filhos. Até que é bom para esquecer um pouco dos problemas. Ela pensou.

A brincadeira estava barulhenta e divertida. Lá fora, o barulho do vento ficava cada vez mais forte, ao mesmo tempo que alguns pingos de chuva já podiam ser ouvidos atingindo o telhado da garagem, como o som de milhos de pipoca que começam, aos poucos, a estourar na panela.

— O papai já tá chegando, mãe? — Perguntou Priscila, já se levantando, suada e com os cabelos longos e negros bagunçados, para ir ao seu quarto e tomar banho, no andar de cima.

— Hoje o papai vai chegar mais tarde, filha. — Respondeu Bia, com semblante triste, enquanto, agachada, prendia Daniel na sua cadeirinha de balanço. Ali, ele iria, como de costume, assistir a alguns desenhos, enquanto ela providenciava o jantar de todos.

A menina subiu as escadas, levando no ombro direito sua mochila rosa com cheiro de chiclete de tutti frutti.

Daniel se aquietou com um vídeo da galinha pintadinha.

As crianças, após a brincadeira, encaixaram-se na rotina diária. Mas Beatriz não conseguia relaxar e fazer o mesmo. A vida não era mais a mesma. Seu marido, Carlos Augusto, estava precisando trabalhar até mais tarde, desde que a crise, pela qual o Brasil passava, se agravou e os atingiu em cheio. Ela fora recentemente demitida do escritório de advocacia, onde trabalhava como contadora. Ele teve o número de vendas muito reduzido, devido ao fraquíssimo desempenho do mercado imobiliário em todo o país, sobretudo no estado do Rio de Janeiro. Carlos é corretor de imóveis e a renda dos dois proporcionara, até então, uma vida confortável a família de classe média. Contudo, com a queda dos ganhos de Carlos (que só recebia comissão quando fazia uma venda) e a demissão de Bia, estavam em uma situação muito difícil. Fora isso que obrigara Carlos a ficar no escritório da Imobiliária até quase dez da noite, tentando contatos e procurando formas de vender pelo menos um imóvel por mês. Mesmo que isso já fosse longe dos três que costumava vender, já seria ótimo, visto que nos últimos dois meses não havia vendido nenhum.

Os sons da chuva e do vento, que entravam pela janela, do vídeo que Daniel assistia e das linguiças sendo fritas no fogão, resultavam em uma barulhenta sinfonia, que atordoavam ainda mais os pensamentos de Bia. Dentre os muitos problemas pelos quais estavam passando, o atraso do aluguel era o que mais teimava em não querer sair da sua cabeça. Ela sabia que se Carlos não conseguisse algumas vendas, teriam que deixar a confortável casa de dois andares e três quartos em pouco tempo. Não mais do que dois meses.

A casa, que costumava ser muito acolhedora, um verdadeiro lar, agora provocava nela um estranho sentimento de apreensão. Para todo lugar que Bia olhava, não conseguia impedir sua mente de rodopiar a milhão, pensando em como seria o futuro deles, principalmente das crianças.

Cada dia parecia ser como o movimento de um ponteiro de relógio. Era uma contagem regressiva até serem despejados por falta de pagamento do aluguel.

Uma lágrima solitária rolou do olho direito de Beatriz. O que a fez virar para o fogão, ficando de costas para Daniel e para o corredor, de onde a qualquer momento viria Priscila. Não queria que os filhos a vissem daquele jeito. No entanto, estava cada vez mais difícil disfarçar.

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CAPÍTULO 1

1.
Três meses depois de precisarem desocupar a casa, o casal e seus dois filhos não tiveram outra opção, senão irem morar com os pais de Carlos, em uma antiga chácara da região rural, bem afastada do centro urbano da cidade. A opção de voltar a morar ali (onde Carlos crescera), e ainda levando a família, era a pior possível para ele. No entanto, concordara com Beatriz. Seria o melhor para as crianças.

São Thomé dos Rios é uma das muitas cidades do Rio de Janeiro que fazem fronteira com o Estado de Minas Gerais. Está localizada em um território de 513 quilômetros de extensão e 41 cidades, entre mineiras e fluminenses. Toda a região, de ambos os lados da vasta fronteira, apresenta um sotaque bem mais mineiro. Para muitos moradores da região e outros que costumam viajar dos grandes centros urbanos para lá, principalmente a procura de tranquilidade e descanso, os municípios da maior área no lado do Rio de Janeiro ganharam um apelido carinhoso: são chamados de cidades “mineirocas”.

São Thomé tem pouco mais de vinte mil habitantes. Localizada em região serrana, possui o conhecido clima de montanha, além de uma vasta área rural (muito bem integrada a vegetação de mata atlântica), destinada a agropecuária, principalmente a produção de tomate.

A casa em que agora moravam fica na chácara da família, que pertenceu aos avós de Carlos e tem pouco mais de dois hectares (aproximadamente 20.000 metros quadrados). Lá, os pais dele continuam ganhando a vida com a venda da pequena produção de tomates e leite.

Dona Sueli, uma senhora que acabara de completar sessenta e quatro anos, assumira seus cabelos brancos, parando de pintá-los. Para Beatriz, os olhos negros da sogra, que apresentavam um forte contraste com sua pele muito clara, transmitiam, ao mesmo tempo, serenidade e melancolia.

A mãe de Carlos fizera questão de mover os acessórios do seu quarto de costura para um canto da ampla sala, onde antes (pelo que Carlos se lembrava) havia um altar católico, com imagens e velas. Com isso, os netos puderam ter seu próprio quarto. A casa, que era bem antiga, porém ampla e de ambiente agradável, tinha três dormitórios. Carlos e Beatriz ficaram com o quarto que fora dele e da irmã.

Beatriz sabia que o marido não ficava a vontade naquela casa. Muito menos naquele quarto, que dividira com a irmã. O relacionamento dele com o pai era bem complicado. Sr. Abelardo sempre foi um homem muito fechado e de estilo linha dura com os filhos, o que colaborou para que a relação dos dois fosse ficando cada vez pior, principalmente quando o rapaz completou quinze anos e passou pela fase rebelde, da qual praticamente nenhum adolescente escapa. Todavia, as coisas azedaram de vez entre os dois quando Carlos, que já estava casado com Beatriz, ficara sabendo que o pai expulsara a irmã de casa, por conta de um namoro que ele não aprovava. Beatriz se lembrava muito bem desse tempo, tinha sido há cerca de oito anos, quando tinham apenas dois anos de casados. Carlos passara mais de três anos sem ao menos dirigir uma palavra ao pai. O que só mudara quando dona Sueli ficara seriamente doente, com diabetes, e implorara para que os dois parassem com aquilo. Desde então, a relação dos dois passara a ser apenas formal e limitada a datas comemorativas. Sem nunca tocarem no assunto que provocara o rompimento.

Naqueles primeiros quinze dias em que voltaram a morar na mesma casa, por exemplo, pai e filho não tinham trocado mais do que cinco palavras por dia, incluindo os cumprimentos de bom dia e boa noite, que eram praticamente obrigatórios, visto que era o pai quem o levava e buscava no trabalho, todos os dias. O carro da família, pouco antes de se mudarem, fora levado em uma busca e apreensão, pois o pagamento das prestações já estava atrasado por quase quatro meses.

2.
— Bia, você sabe que não quero pegar a caminhonete do meu pai. — Disse Carlos, contrariado com a insistência da esposa.

— Amor, tudo bem se fôssemos só nós dois. Mas e as crianças? — Antes que ele pudesse responder, ela acrescentou: — Olha só, vão falar da vacinação agora.

Carlos, então, levantou-se para pegar o controle remoto sobre a cômoda e aumentou o volume da pequena TV de vinte polegadas, daquelas com tubo de imagem, que ficava de frente para a cama, sobre o mesmo gaveteiro onde costumava ficar a TV LED de 60 polegadas, que tiveram que vender para pagar algumas das mensalidades atrasadas da escola da filha.

“As autoridades de saúde confirmaram a criação de um cinturão de segurança no Estado. A população de todos os municípios do Rio de Janeiro que fazem fronteira com Minas Gerais, onde já foram confirmados diversos casos de Febre Amarela, bem como dos que estão em volta de Casemiro de Abreu, onde foi confirmada a primeira morte pela doença, será vacinada.”

Enquanto cenas do mapa do Estado do Rio de Janeiro eram exibidas, com os municípios participantes da imunização marcados em amarelo, a apresentadora continuou:

“O secretário de saúde do Rio de Janeiro enfatiza que não é preciso desespero por parte da população, pois os casos da doença confirmados no Estado até agora, em Casemiro de Abreu, foram da forma silvestre da doença, que é transmitida apenas em florestas, de macacos para seres humanos, por dois tipos de mosquitos diferentes. Ainda não foram identificados casos da Febre Amarela urbana, que é quando a transmissão é feita de um ser humano para outro, pelo mosquito que também transmite a Dengue, a Zica e a Febre Chikungunya, o Aedes Aegypti. Apenas a população dos municípios participantes do cinturão de segurança deve ser vacinada imediatamente.

É importante lembrar que a febre amarela já não era uma ameaça no Brasil desde 1942. E todo cuidado é pouco, pois especialistas afirmam que a taxa de mortalidade da doença supera os 40%.”

— Carlos, sei que é uma situação difícil pra você. Pra mim também é. Mas não podemos pensar só em nós. É uma doença grave e não podemos colocar as crianças em risco.

— Eu só não quero usar o carro dele. — Respondeu Carlos, arrumando seus óculos de armação fina.

Beatriz entendeu que não era momento de dizer mais nada. Por isso, apenas olhou contundentemente para o marido, deixando claro que iriam ao posto no outro dia. Então se prepararam para deitar e procurar alguma coisa que prestasse na antiga televisão, já que antes estavam acostumados com o pacote completo, com centenas de canais, da melhor empresa de TV por assinatura.

3.
Os sábados da família se resumiam em acompanhar as crianças nas suas brincadeiras pelo amplo quintal, que não fazia parte da terra produtiva, mas era cheio de árvores, galinhas e muitos cachorros. Dona Sueli cuidava muito bem dos animais, enquanto Sr. Abelardo se encarregava de manter as árvores podadas e a grama aparada.

Embora as crianças estivessem adorando as novidades da vida rural e a presença dos avós, que eram totalmente derretidos por elas, cada um a seu modo, Beatriz e Carlos sentiam muito a diferença dos sábados que costumavam passar na piscina ou indo a bons restaurantes de São Thomé e de muitas cidades vizinhas, inclusive de Minas. Diziam um para o outro e para si mesmos que aquilo seria temporário, ainda que vissem a situação causada pela crise dizer o contrário. Tentavam ser otimistas. Tentavam se acostumar com a nova realidade. Mas as crianças, alheias a tudo isso, estavam radiantes.

Aquele era apenas o terceiro sábado que passavam na casa dos avós. Priscila e Daniel ainda estavam numa verdadeira descoberta do lugar, das frutas e dos animais do quintal. Naquele dia, contudo, a brincadeira teria que ficar para depois do almoço, pois precisavam ir ao posto de saúde. Apenas os quatro iriam, pois em um primeiro momento, os maiores de sessenta anos não seriam imunizados, devido ao risco maior de haver complicações advindas das reações da vacina em idosos.

Parte do caminho até o centro da cidade precisava ser feito em uma estrada de terra batida. Carlos dirigiu calado e visivelmente incomodado por usar o carro do pai (mesmo que Sr. Abelardo o tivesse deixado a disposição, para sempre que precisassem). Beatriz foi no banco de trás, com as crianças, que se divertiam a valer com as sacudidas que a estrada irregular proporcionava.

Chegaram ao posto de saúde pouco depois das oito da manhã e encontraram uma fila enorme, dobrando a esquina.

Depois de mais de uma hora esperando, um colega de Carlos passou no sentido contrário, segurando um pequeno chumaço de algodão no braço esquerdo. Ele disse que uma das enfermeiras tinha faltado.

— Está explicada essa demora toda. — Disse Carlos, virando-se para Beatriz, depois de despedir-se do conhecido.

Só conseguiram receber a vacina perto do meio dia, quando a alegria das crianças já tinha se transformado em falta de paciência total diante de tanta espera e principalmente depois de receberem uma picada de agulha. Priscila, mal humorada, disse aos pais que não entendia como podiam estar em uma fila daquelas para no final receber uma injeção.

***

Naquela noite, no quarto, o casal comia um dos deliciosos pudins que dona Sueli fazia. Entre uma garfada e outra, Carlos perguntou:

— Amanhã sua irmã vem nos buscar de novo?

— Vem sim. Ela me ligou quando estávamos naquela fila interminável. — Bia revirou os olhos, sabendo que faria o marido rir. — Parece que já está virando um costume de domingo irmos até a casa dela. Já é o terceiro seguido. Os filhos dela sentem muita falta dos primos. Antes estávamos sempre lá, éramos quase vizinhos.

— Confesso que é bem mais agradável do que ficar aqui. — Disse Carlos, quase desabafando. E continuou: — Se eu não tivesse que sair todos os dias de semana pra trabalhar, não sei o que faria. Você ainda se dá bem com meu pai e adora aprender a costurar com minha mãe. Mas eu? Acho que ficaria maluco se estivesse no seu lugar.

— Vai passar, amor. É só por um tempo. Quando meu maridão fizer umas cinco vendas já poderemos alugar outra casa e tudo volta ao normal. Afinal, quem é o melhor corretor do mundo? — Ela disse sorrindo e aproximando sua boca de propósito da dele.

Por aquela noite, esqueceram-se dos problemas e se amaram pela primeira vez, desde que tinham se mudado.

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Pr. Raphael Melo

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