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Abençoado Aborto Interrompido

– Infelizmente o diagnóstico é esse, mãezinha – Disse a médica com voz de pesar, após terminar a ultrassonografia do segundo filho de Helen, que tinha acabado de alcançar a vigésima quarta semana de gestação. – As medidas do crânio do bebê confirmam que ele tem mesmo microcefalia.

Quase tudo que aconteceu no fim da conversa com a médica, na sala de exames, bem como nas próximas duas ou três horas daquele dia, ou tinha sumido completamente da memória ou eram apenas flashes rápidos e confusos em sua mente. Helen passou por momentos de choque, de tristeza, de desespero e terminou aquele dia acompanhada apenas do marido, pois a mãe tinha levado sua filha mais velha, de três anos, para dormir com ela.

– Cláudio, por que isso está acontecendo com nosso bebê? – Perguntou Helen aos prantos, abraçada ao marido, no sofá da sala, que ficava de frente para a varanda do apartamento. Pela janela, um pouco aberta, entrava uma leve brisa fria do inverno paulista, que se tornava cada vez mais intensa, conforme a noite caía. Frio que colaborava ainda mais para o clima triste pintado naquele cômodo, que também contava com o ambiente a meia luz criado por Cláudio, quando deixou acesa apenas uma fraca lâmpada de parede no corredor, tentando ajudar a esposa a melhorar da forte dor de cabeça que sentia, por ter chorado por mais de seis horas, sem parar.

Os dois acabaram ficando ali até a manhã do dia seguinte. Contudo, mesmo em seus melhores pensamentos, ao longo daquela noite e nos dias que vieram depois, não podiam imaginar como o pequeno Mateus transformaria suas vidas para sempre.

Tudo o que Helen viu, desde o momento em que colocaram aquele bebezinho em seus braços, quando a cesariana terminou, até em todos os outros momentos e dias que seguiram àquele, foi o seu bebê, seu lindo e amado bebê. Enquanto a maioria das pessoas sorriam com a boca mas, com o olhar, expressavam pena dela e do pequeno Mateus, tal coisa nunca se passou em sua cabeça e muito menos em seu coração. Nem a cabeça, menor do que das crianças saudáveis, nem a dificuldade de desenvolvimento que se seguiu, nem nenhum dos outros desafios que vieram, foram capazes de tirar dela aquele olhar terno, aquele prazer em fechar os olhos e cheirar os cabelos do seu filho, aquele sorriso ao sentir os pequenos dedinhos segurando suas mãos, enquanto os olhinhos dele fixavam os seus, aquela alegria incontrolável de amamentar e sorrir; enfim, aquela indescritível sensação de ser mãe. Nada era diferente, ele era seu bebê exatamente como a Priscila tinha sido, há três anos, e isso era tudo o que importava.

Mesmo com alguns episódios normais de ciúme, naturais para uma irmã mais velha de três anos, Priscila era apaixonada pelo irmão. Entretanto, foi na relação de Helen e Cláudio que a presença do filho surtiu o maior impacto. As brigas, que eram muito comuns e cada vez mais feias, foram parando de acontecer, logo após o diagnóstico, até que, sem que nenhum deles saiba quando ou como, desapareceram por completo, deixando apenas os desentendimentos normais, que todo casal têm. Cláudio não queria mais sair com os amigos nas sextas, depois do trabalho, não queria mais ir jogar futebol todos os sábados, bebia cada vez menos e para a surpresa de todos que os conheciam, começou a ir aos cultos de domingo pela manhã, na igreja em que nunca tinha pisado antes, lugar em que a mãe de Helen congregava e que passou a ser frequentado também pela filha, após o que tinha acontecido no terceiro mês de gravidez.

Naquela semana a mídia só falava no assunto, pois as suspeitas de alguns médicos do Nordeste tinham se concretizado e a relação entre o chamado ZIKA Vírus em grávidas e a microcefalia dos fetos fora confirmada pelo ministério da saúde, causando, inclusive, reação imediata da Organização Mundial de Saúde, a OMS. Novas informações não paravam de aparecer, o tempo todo, até que, oficialmente, o Ministério da Saúde aconselhou que as mulheres evitassem engravidar até que descobrissem o que estava acontecendo e como, exatamente, era a ação desse novo vírus, que antes era tratado como uma doença sem risco, com sintomas comparados a uma forma leve de dengue.

Helen estava com nove semanas nessa época e apavorada com a febre que vinha tendo há dois dias, seguida de algumas manchas no corpo, começou a pesquisar sobre o assunto na Internet. Encontrou muita coisa, contudo, o que mais mexeu com ela foram as declarações de diversas autoridades de saúde, inclusive de médicos famosos, em horário nobre, na mídia, defendendo que as grávidas com o vírus deveriam ter direito de optar por um aborto. Diziam que como a microcefalia só poderia ser diagnosticada no sexto mês de gravidez, período tardio para a interrupção da gestação, as grávidas que tivessem o diagnóstico de ZIKA vírus deveriam ter o direito de fazer um aborto, mesmo sem saber se o feto tinha ou não a doença. Com tudo isso fervilhando na mente, no mesmo dia, à noite, Cláudio e ela foram ao hospital para investigar a febre e as manchas.

Dois dias depois, um funcionário do hospital ligou para avisar que o exame tinha dado positivo para o ZIKA vírus e que, por isso, ela deveria procurar seu obstetra com urgência. Apavorados com a notícia e com tudo o que tinham descoberto nas pesquisas, pois Helen tinha contado a Cláudio tudo o que descobrira na Internet, correram até o consultório do obstetra , que ao saber da notícia, havia pedido que fossem até lá imediatamente.

O médico era um dos defensores de que a mulher pudesse optar pela interrupção da gestação quando fosse diagnosticada com ZICA, principalmente até o terceiro mês de gravidez. E foi exatamente isso que ele disse ao casal, deixando claro que para isso precisariam buscar a justiça, pois havia uma divergência de interpretação dos juízes no país, sobre o assunto. Contudo, apenas a referência ao assunto fez com que os dois, nervosos e sem saber o que fazer, decidissem procurar um caminho mais rápido, sem precisar depender da justiça.

Duas semanas depois, após muita conversa e, principalmente, muito esforço de Cláudio para convencer Helen de que era o melhor a fazer, para que nem a criança e nem eles sofressem, decidiram agir por conta própria e procurar uma clínica clandestina indicada pela irmã de Cláudio, que indicou o lugar como conhecido por fazer o procedimento com segurança.

– Não se preocupe querida, vamos tentar de novo e teremos o nosso bebê. Eu estou aqui fora te esperando – Disse Cláudio a Helen quando ela entrava na sala do procedimento, com lágrimas nos olhos, a mão direita acarinhando a barriga, já bem saliente, e um aperto terrível no coração.

Na sala haviam duas enfermeiras, que a prepararam para o procedimento, até que entrou um médico, que a cumprimentou discretamente mas não se apresentou e nem mesmo lhe dirigiu mais nenhuma palavra. Ele apenas sentou-se para começar a interrupção da gravidez quando uma das enfermeiras, que tinha saído da sala poucos minutos antes, entrou novamente e disse:

– Doutor Benaglli, sua filha está no telefone dizendo que precisa falar com o senhor com urgência. Ela disse que é sobre o casamento.

Então o médico, que aparentava ter uns cinquenta anos, arrumou os óculos, levantou-se e disse que já voltava, pois ainda não havia começado o procedimento. Para Helen isso foi demais, não aguentaria esperar ali naquela cama, chorando, até que aquele homem viesse e matasse seu filho. Em um movimento súbito e decidido, retirou as pernas dos apoios, pegou suas roupas e saiu da sala como uma flecha, com um sorriso que expressava alívio e nervosismo ao mesmo tempo. Abraçou o marido e ali decidiram que enfrentariam o que viesse juntos. Contudo, mesmo assim se enchiam de esperança de que a criança fosse saudável, afinal, não eram todos os casos que resultavam em microcefalia.

Saindo dali, Helen ligou para a mãe, que não tinha ideia do que ela estava prestes a fazer, e contou como desistiu na última hora. Sua mãe lhe disse que fora Deus quem salvara seu neto, pois ela orava por ele todos os dias. E foi assim que, extremamente tocada por essa resposta da mãe, uma semana depois, Helen passou a frequentar os cultos de domingo de manhã, junto com ela.

Mateus sempre foi especial, em todos os sentidos, pois mesmo com todas as dificuldades de desenvolvimento, frequentava a escola e se comunicava muito bem. Aos doze anos dava todos os sinais de que poderia ter uma vida independente e feliz, mesmo dentro de suas limitações, que também não eram poucas.

Na clínica de reabilitação especializada que frequentava desde os primeiros meses de vida, ele era uma das crianças mais antigas e, de alguma forma, acabou se tornando um agente muito importante no tratamento de todas as crianças que chegavam ali, algo que, de certa maneira, também ajudava muito no seu próprio tratamento, pois os terapeutas e médicos perceberam que quando mais ele participava ativamente do tratamento das outras crianças, mas ele se sentia confiante e, consequentemente avançava em seu próprio desenvolvimento.

Um dos pacientes recém-chegados era o pequeno Nícolas, de nove anos, que havia sofrido um grave acidente de carro com a família e por conta de uma séria lesão na cabeça, acabou com diversas sequelas neurológicas, que comprometeram seriamente sua capacidade motora e mental.

De imediato, ficou claro para todos na clínica que o dom que Mateus tinha para ajudar na recuperação dos outros pacientes era, de longe, muito mais perceptível quando se tratava de Nícolas, pois quando Mateus estava junto, ajudando nos exercícios e incentivando na fisioterapia, a resposta do outro menino era muito boa. Ao contrário de quando não estava, pois nesses dias Nícolas praticamente não fazia nenhum progresso, além de se mostrar desanimado e muito alheio a todos os estímulos da equipe. A amizade dos dois crescia a cada dia e ainda que as limitações de Nícolas fossem muito maiores que as de Mateus, os olhares e sorrisos que os dois trocavam diziam muito mais do que mil palavras.

Certa tarde, quando Nícolas já se preparava para ir embora, seu avô, que assistia ao restante da atividade de recreação no segundo andar, por meio do monitor instalado na sala de espera, que transmitia imagens em tempo real do que ocorria na sala de recreação, no sexto andar, reparou que Nícolas estava engasgado, provavelmente com algo que tinha colocado na boca, pois isso não era algo incomum de ocorrer depois do acidente. Mas o problema é que na sala não havia nenhum profissional de saúde, apenas a recreadora que cuidava das crianças durante a atividade. Então, tentando conter o nervosismo, ele correu para chegar lá o mais rápido possível.

Escolheu ir de escadas pois sabia que esperar o elevador seria demorado demais, e quando chegou até a porta da sala, viu que o alarme tinha sido acionado mas que nenhum médico ou outro profissional de saúde tinha chegado. Abriu a porta e viu a recreadora chorando ao lado do neto, desesperada e sem saber o que fazer, enquanto Mateus, mesmo com toda a dificuldade de locomoção, sentado no chão, segurava Nícolas por trás e fazia o procedimento correto para que ele expelisse o objeto que tinha engolido, algo que provavelmente aprendeu em seus doze anos frequentando a clínica. E foi o que aconteceu, quando o avô correu na direção deles, ao mesmo tempo em que várias pessoas da equipe da clínica entravam na sala, Nícolas cuspiu uma peça de algum brinquedo que, certamente, tinha se quebrado e sido ingerida por ele. Quando chegaram, Nícolas tossia mas respirava normalmente, deitado no colo de Mateus, que sorria e acariciava a cabeça do amigo, olhando-o nos olhos.

Depois disso, o avô resolveu pedir aos responsáveis da clínica o contato da família de Mateus. Então combinaram para se encontrar domingo, de manhã, no Ibirapuera.

A manhã estava ensolarada e agradável, Mateus já brincava na grama, acompanhado de Priscila, sua irmã, que já era uma linda moça de dezesseis anos, mas que, ainda assim, não tinha perdido nem um pouco do amor e do cuidado que sempre teve com o irmão. Cláudio e Helen estavam sentados em um banco e conversavam sobre o que Mateus tinha feito e sobre como poderia ser bom que ele tivesse um contato mais próximo com o novo amigo.

Alguns minutos depois, o pai e a mãe de Nícolas chegaram com o menino na cadeira de rodas e logo colocaram-no na grama, pois a felicidade dele e de Mateus quando se viram foi radiante como o sol que brilhava entre os galhos das árvores.

Depois de feitas todas as apresentações, Priscila disse que precisava sair para estudar para o vestibular, deu beijo estalado no rosto dos garotos e foi embora. Os quatro adultos ficaram conversando, com os pais do Nícolas falando principalmente sobre o recente acidente e sobre como estavam assustados com o que viria pela frente, mas também sobre como estavam esperançosos e felizes por saber da amizade dos meninos. Então, quando Helen e Cláudio iam começar a contar a história de Mateus, a fim de animá-los e encorajá-los, foram interrompidos por um senhor que se aproximava.

– Bom dia pessoal, desculpem o atraso – Disse o senhor que tinha acabado de chegar

– Tudo bem pai, não tem problema. Estávamos aqui conversando e te esperando – Respondeu-lhe a mãe de Nícolas, apertando-se um pouco mais no banco para dar lugar ao pai, que ao ser devidamente apresentado, sentou-se e sorriu ao ver a alegria do neto, brincando na grama com Mateus.

Helen, todavia, não tirava os olhos do idoso desde que o viu, e não resistindo mais, com os pensamentos a milhão, perguntou:

– O Senhor é médico?

– Sou sim Helen, Obstetra. Já Aposentado mas sou – Respondeu gentilmente o avô, enquanto ajeitava os óculos.

– Doutor Gerson Benaglli, mais conhecido como papai – Disse sorrindo a mãe de Nícolas.

Sem acreditar no nome que tinha acabado de ouvir e sem desejar criar um constrangimento desnecessário, Helen disse a moça mantendo o tom de descontração, mas olhando firmemente para Gerson:

– Alguma vez já ligou para o seu pai no meio de um parto? Deve ser diferente!

Na mesma hora a mente de Gerson se transformou em uma tempestade de flashes e lembranças, pois ele reconheceu aquela moça e lembrou que era a paciente que tinha saído correndo da clínica sem dar nenhuma satisfação, antes que ele realizasse o aborto, que não aconteceu porque tinha sido interrompido por uma ligação da filha. O velho médico não teve dificuldade de reconhecer Helen pois, depois do ocorrido, tinha olhado diversas vezes para a sua ficha, preocupando-se com a possibilidade de que ela pudesse ser alguma jornalista tentando denunciar a clínica. Inclusive, lembrou como essa preocupação foi o que fez com que nunca mais voltasse a realizar um aborto, com medo de problemas com a justiça.

O silêncio de Helen e Gerson reinou por um longo tempo, pois enquanto os outros membros das duas famílias continuavam a conversa, eles apenas, alternadamente, se olhavam e olhavam para as crianças brincando na grama.

Gerson envergonhou-se muito por todos os abortos que tinha feito e percebeu que ninguém tinha o direito de interromper a vida. Olhando para as crianças, teve consciência de que o menino que quase matou doze anos atrás, atualmente, era muito mais desenvolvido do que o seu neto, que mesmo tendo nascido saudável, hoje se encontrava com graves sequelas. Olhou novamente para Helen e deixando uma lágrima cair, em silêncio, apenas com o olhar, pediu-lhe perdão, pois pensou que o que ele quase fez com Mateus e que tinha feito com tantas outras crianças, era como se matasse Nícolas agora, só porque ele estava com sequelas motoras e cognitivas. E foi além, pois lembrou que naquele dia, a filha tinha ligado para ele para dizer que tinha escolhido o salão onde ia se casar. Então percebeu também que a ligação da filha, de certa forma, tinha salvado a vida do neto, que era filho dela, pois se Mateus tivesse sido abortado naquele dia, talvez hoje estivessem chorando a morte de Nícolas.

Helen não teve nenhuma raiva ou qualquer tipo de sentimento ruim pelo velho médico, até porque sabia que ela teria sido tão culpada quanto ele, talvez até mais, por ser mãe, se aquele procedimento tivesse começado. Então, também sem nenhuma palavra, mas apenas com o olhar e com um sorriso, ela disse a Gerson que estava tudo bem.

E assim o agradável encontro continuou, até que terminou, já perto do meio dia, selando a amizade das famílias e, principalmente, dos meninos.

Quando a família de Nícolas decidiu ir embora, durante as despedidas, Helen recebeu um abraço demorado e apertado de Gerson, que valeu mais do que mil palavras, retribuindo-lhe o gesto com um forte aperto em ambas as mãos.

Ao vê-los indo embora, Helen sentou-se na grama com o filho e com o marido, olhou para o céu azul, e com lágrimas nos olhos, sem conseguir parar de sorrir e de abraçá-los, se lembrou do dia em que trouxeram Mateus para casa, quando os três ficaram exatamente assim, abraçados, na cama. E ali na grama, ela fez o mesmo que tinha feito doze anos atrás. Beijou o marido, colocou a mão no rosto do filho e olhou bem no fundo de seus olhos, dizendo a ele o quanto a mamãe o amava, sem que precisasse falar nada.

Pr. Raphael Melo

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P.S.2: Esse é um trabalho de ficção que visa demonstrar o erro em se incentivar o aborto como uma decisão que a mulher tem o direito de tomar. Deus chama isso de assassinato. Não estou abordando aqui casos de vida ou morte, bem como outras situações médicas sobre as quais não tenho competência para falar, contudo, falo de qualquer tipo de aborto feito por escolha própria, seja por algum problema com o bebê ou porque a mulher simplesmente resolve que não quer ter o filho.

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